Era uma vez um quadro branco com riscas brancas
Em 1998, estava a trabalhar no Teatro Nacional S. João no Porto (ora, uma pessoa precisava de pagar as propinas da faculdade) quando a peça “Arte” foi pela primeira vez levada à cena.
A peça contava com António Feio, José Pedro Gomes e Miguel Guilherme. Na altura dos ensaios, por vezes tentei discretamente ver um pouco da peça, esgueirar-me por entre as portas dos camarotes sem perturbar o ensaio. E durante a semana em que esteve em cena no S. João, a casa esteve sempre cheia. Aliás não me recordo de outra peça ter tido uma assistência semelhante durante o tempo em que lá trabalhei. (Ups! Se calhar não devia dizer isto, mas também já lá vão quase 20 anos)
Agora em 2016, “Arte” de Yasmina Reza sobe de novo ao palco com novo elenco e nova encenação. Com Adriano Luz, João Lagarto e Vítor Norte dão agora vida aos três amigos que debatem a obra que um deles comprou. A história roda á volta de um “quadro branco com riscas transversais brancas”, assinado por um pintor de arte moderna muito famoso.
A arte não é consensual e os 3 amigos de longa data, embora conhecendo-se bem mas têm gostos diferentes (já tive um momento semelhante com uma cadeiras Philip Stark que adoro e tenho amigos que abominam). Os personagens discutem-nos até à exaustão (não aconteceu com as minhas cadeiras! Ufa!). E depois da caixa de Pandora aberta, dizem tudo o que queriam e não queriam.
Assinado por Yasmina Reza, Arte é um texto belíssimo e sempre actual sobre a amizade, seus limites e valor. No fim, a questão mantém-se: Deverá dizer-se a um amigo que a peça de arte que tem e adora é abominável, ou fazer o elogio pro-forma e mudar rapidamente de assunto?
Eu acho que depende do grau de amizade... Tenho amigos a quem posso dizer tudo, outros nem tanto. Considerações de amizade à parte, “Arte” é uma peça a não perder: quer para quem nunca viu, ou mesmo para repetir.